terça-feira, 30 de abril de 2013

Transe (2013)

McAvoy, Dawson e Cassel: um triângulo hipnótico
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T.O.: TranceReal.: Danny Boyle. Int.: James McAvoy, Rosario Dawson e Vincent Cassel. Origem: Grã-Bretanha, 2013.

Sinopse: Simon, um leiloeiro de arte, junta-se a um gangue para roubar um valioso quadro, mas depois de sofrer uma pancada na cabeça durante o assalto, acorda e descobre que não tem memória sobre onde escondeu a pintura. Quando a tortura não resulta, o líder do gangue Franck contrata a hipnoterapeuta Elizabeth Lamb para explorar os recantos mais sombrios da mente de Simon. E o inesperado acontece. 

Tente imaginar o que seria se juntássemos os imaginários de Mulher Fatal, de De Palma, com o de A Origem, de Nolan. Num primeiro registo minimalista, é assim que podemos tentar descrever Trance, o novo filme do talentoso contador de histórias britânico, Danny Boyle. O realizador estreia agora nas salas um soberbo thriller psicológico, que nos faz perder a cabeça com a sua estética deliciosamente alucinada onde um argumento "roubado" de um telefilme de 2001 se move, em modo de espiral. O triângulo de actores McAvoy, Dawson e Cassel faz andar a imensa roda gigante em que a acção se centra, e todos funcionam num caos temerosamente harmonioso, que se despedaça à medida que o filme se desenvolve: por mais que tentemos agarrar os personagens nas mãos para poder juntar devidamente as peças, Boyle encarrega-se que eles nos fujam descaradamente por entre os dedos. O filme desafia-nos desde o primeiro acto, que é fabuloso e onde Boyle filma a fazer sincera inveja a Fincher, e num ápice somos atirados para um labiríntico exercício de estilo, que junta os ingredientes perfeitos do heist e do noir (a memória é um dos núcleos dramáticos do underground e noir dos anos 40/50, e curiosamente existe uma misteriosa mulher  com cartas para dar), com toques de humor ácido e violência recheada de estilo (Cassel parece saído de um Melville); tudo captado por uma câmara que dirige a acção física dos lugares e íntima dos corpos com poder e sabedoria.

Feitas as contas, Transe não é algo novo, mas não deixa de o parecer: a sensação que ele opera no espectador é de frescura, de conquista. Troca-nos as voltas, goza-nos e tem gozo nisso. É sexy, dirty e nasty, recheado de um punch incrível. Dawson vai permanecer, desde já, como uma das mais enigmáticas femmes fatales que vimos em muitos, muitos anos: a sua personagem chama-se "Lamb", mas ela faz frente aos "Wolves" que habitam na história.

Regra de Silêncio (2013)

Robert Redford, uma figura nuclear do cinema contemporâneo
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T.O.: The Company You Keep. Real.: Robert Redford. Int.: Robert Redford, Susan Sarandon, Shia La Beouf. Origem: EUA, 2012.

Sinopse: A vida de Jim Grant, advogado civil e pai solteiro, nos tranquilos subúrbios de Albany, em Nova Iorque, sofre uma reviravolta radical quando se torna alvo de investigação de um jovem e ambicioso jornalista que descobre um segredo do passado. 

O mais recente filme de Robert Redford pertence-lhe sob forma da realização e da interpretação, mas é sobretudo na base da herança que o seu domínio oferece maior relevo. Neste seu Regra de Silêncio, Redford recorda que permanece uma prova viva de um cinema singular, que sabe beber as influências da produção artística dos anos 70, década de uma enorme revolução estética e narrativa na Sétima Arte, e que mantém hoje uma linguagem actual e, sobretudo, vital: aqui o cinema faz-se de actores e de conflitos, sem falsos artifícios. Ao revisitar as memórias do activismo contra a guerra do Vietname, altura onde a paranóia política e o sistema militar eram alvo de crítica popular, o actor/realizador leva-nos ao mundo de filmes nucleares como Os Três Dias do Condor e Os Homens do Presidente - onde foi protagonista, em ambos os casos - e capta na perfeição a dura tarefa de uma América à procura de sarar as suas feridas, sem soluções à vista. Na fissura de cada uma delas, encontram-se dois lados: uma geração mais velha (além de Redford temos Julie Christie e Susan Sarandon) e, do outro lado, uma mais jovem (LaBeouf e Brit Marling). A ambas junta-se uma futura, representada na menina de Redford, com quem encerra o filme num soberbo e silencioso plano final.

Em suma, é um filme a não perder de vista, que não só nos recorda a importância de uma tradição artística (e nos demonstra que está longe de se encontrar esgotada a nível dramático) na mesma medida que é construído com cabeça, tronco e membros, com actores de primeira água, um argumento forte e uma realização segura da sua capacidade e mestria de encenação temporal e emocional.